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Construção de Pontes - Um Testemunho (por Roberto Garcia)


Eu tinha decidido não comentar, deixar de lado, ignorar o Ciro Gomes, pelo menos até o fim do processo eleitoral. Achei que quanto mais se fala nele mais se dá cartaz, acabamos fazendo o que ele mais quer, que é ser lembrado, aparecer. Ele já foi descartado pela maioria dos próprios seguidores, suas percentagens caem, estão agora pela metade do que eram no ciclo eleitoral anterior. Por que, então, falar nele, na Tebet, na Soraya? Já não contam.
Sabemos que o embate é entre Lula e Jair. O resto é o resto, Mas outro dia ele resolveu dar um novo show, em busca da ribalta. Fez o tal manifesto à nação. Alguns, com muito boa vontade, ouviram, outros comentaram. Mas o consenso parece ter sido que não fez qualquer diferença. Ele perdeu ainda mais. Faria sentido, portanto, deixá-lo de lado, é uma curiosidade, seus pronunciamentos são factoides. Mas a campanha ainda não acabou, as eleições estão por vir, embora mais próximas, tem ainda um último debate onde ele certamente vai estar. É possível que ele continue a ser um fato. E não devemos brigar com os fatos. Se eles existem, são importantes, não podemos ignorá-los completamente.
Mais pelos que continuam a apoiá-lo,os que ouvem curiosos, acham que ele pode ter um argumento válido, aqui ou ali. Vemos aqui alguns, aparecem de vez em quando, pontificando. Podem ser até bem intencionados, movidos pelo desejo inocente de por fim à composição, aos acordos, até às conversas com opositores.
Isso parece absurdo. É pedir a um jornalista que só fale com os puros. Se o fizesse, não falaria com muitos. Ou a um diplomata que só fale com os representantes de países aliados. Não haveria informação, não se avançaria no entendimento do mundo. Não haveria acordos de nações antagônicas, que são necessários, indispensáveis. Não haveria negociação de paz.
A essas pessoas ingênuas, seguidoras do PDT, gostaria de lembrar algo que deveriam saber. Do fundador do partido deles, Leonel Brizola.
Ele estava posto docemente no Uruguai, exilado, ignorado pela maioria, cuidando de sua fazenda de gado. Corria uma ditadura no Brasil, cada vez mais agressiva, com vontade de sangue. O pessoal da linha dura em Brasília achou que devia dificultar a vida de Brizola, cercear seus movimentos, calá-lo. Convenceram a linha dura do Uruguai a expulsar Brizola do Uruguai. Deram-lhe uns poucos dias para sair do país.
Brizola já tinha prevenido um golpe no Brasil, governador do Rio Grande do Sul quando o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo. O vice era João Goulart que, pela constituição, deveria assumir. Os militares brasileiros tentaram impedir essa posse. Brizola organizou a Cadeia da Legalidade, mobilizou todos os que conseguiu alcançar para que se cumprisse a Constituição. Conseguiu.
O golpe veio mais tarde, derrubaram Goulart, que se exilou também no Uruguai.
Quando veio a ordem para que abandonasse o país, em algumas horas, o político experiente viu uma saída inesperada: foi à embaixada americana em Montevidéu e pediu um visto para ir aos Estados Unidos.
Foi um gesto inusitado. Surpresa total, Ninguém podia ter previsto isso. Especialmente porque muito antes, o presidente americano John Kennedy tinha declarado Brizola inimigo dos Estados Unidos.
As circunstâncias tinham mudado. Um novo presidente americano tinha sido eleito, com algumas declarações diferentes, especialmente a respeito dos direitos humanos.
Brizola viu nisso uma oportunidade. Tentou entrar no país que o considerara inimigo. Surpresa igual veio quando Jimmy Carter, numa conversa com um jovem encarregado da America Latina no Conselho de Segurança Nacional, lá na Casa Branca, achou que seria uma boa dar o visto.
Dias depois Brizola desembarcava no Aeroporto Kennedy, em New York, foi hospedar-se num pequeno quarto e sala do Hotel Roosevelt, lá se instalou e passou a exercer um papel muito mais importante na política do Brasil. Era nesse hotel que também se hospedava a tripulação dos aviões da Varig, a empresa brasileira de aviação. Brizola era amigo do fundador da Varig, esses tripulantes passaram a levar e trazer as cartas e recados aos seus aliados políticos e amigos no Brasil.
A ditadura no Brasil definhava. A tentativa de calar Brizola tinha sido um de seus estertores. Ele ficou cada vez mais ativo. Achou que devia explorar mais as possibilidades de diálogo com o governo americano, com Jimmy Carter. Para ver em que medida era viável seu projeto de voltar ao Brasil e se candidatar a um cargo eletivo, sem veto dos Estados Unidos.
Bom explicar que a linha dura militar no Brasil podia muito. Mas respeitava, não entendia, tinha medo dos Estados Unidos. Brizola sabia disso, resolveu testar o terreno.
Foi então que ele buscou contato com um jornalista brasileiro, correspondente da revista Veja em Washington, que circulava com desenvoltura entre os figurões do governo Carter. Eu. Brizola me ligou para pedir que eu arranjasse uma conversa dele com uma dessas pessoas. Eu sondei e convidei para um jantar, em minha casa, 2806 29th Street, NW, o rapaz que tinha conversado com Carter para dar o visto a Brizola. Era o Robert Pastor, que passava fins de semana em meu barco à vela, em Annapolis. Onde conversávamos livremente sobre a política americana a respeito do Brasil. Eu explicava a ele o que a oposição ao governo do general-presidente Ernesto Geisel pensava sobre os Estados Unidos. Ele me sondava a respeito do que os americanos queriam fazer a respeito do Brasil.
Brizola teve várias conversas com Pastor em minha casa, sempre em jantares íntimos. Ele a esposa, Dona Neuza, irmã de Goulart.
Pastor casou-se depois com a filha do ex-ministro da defesa dos Estados Unidos, Robert MacNamara, que tinha sido um dos responsáveis pela guerra do Vietnã. E Brizola teve dois encontros com MacNamara, no Hotel Willard, ao lado da Casa Branca, para saber das idéias que os líderes do Partido Democrata tinham a respeito do Brasil e a respeito dele, Brizola. Eu fui o intérprete nessas duas reuniões.
A intenção aqui não é name dropping, citar os nomes de pessoas importantes com quem lidei em minha vida como jornalista brasileiro em Washington. É mostrar que um político maduro busca saída para problemas que enfrenta. Procura até mesmo adversários que acabam virando amigos. Quando Jimmy Carter, já ex-presidente, veio ao Brasil, com Robert Pastor, ele visitou Brizola, mantiveram bons contatos, trocaram mensagens, que passaram por mim.
Tudo isso para dizer, que nos anos que se avizinham, Lula, se eleito novamente presidente, vai precisar buscar diálogos improváveis, em todos os cantos, com gente que se disponha a conversar. Tudo isso para promover os interesses do Brasil.
A flexibilidade vai ser indispensável. Terá que fazer amigos de oponentes. Grupos que tenham influência e possam ajudar nos programas de Lula serão consultados, muitas vezes cortejados. Se tiverem votos no Congresso, que possam autorizar recursos para fome zero, educação e saúde, vão sim, ser procurados, convidados, bem tratados. É disso que depende o sucesso do governo, para conseguir algo melhor para o povo.
Brizola, o fundador do PDT, partido atual de Ciro -- foram muitos -- buscou a embaixada americana, falou muito com gente do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, aconselhou e foi aconselhado pelo presidente americano. Quando voltou ao Brasil, candidatou-se ao governo do Rio de Janeiro e foi eleito. Fez o que era possível na época, enfrentou barreira constante e fuzilaria da TV Globo. Construiu centenas de CIEPS, as escolas de tempo integral que educaram e encaminharam melhor jovens cariocas. Essa foi a prioridade dele. Muitas dessas escolas foram fechadas pelos governadores que vieram depois dele.
Não há soluções definitivas. Os jovens cariocas continuam precisando de escolas. Mas fez-se na época o que era possível. As resistências eram enormes para fazer coisa tão simples. As necessidades aumentaram. Algo precisa ser feito. Com diálogo as soluções vão surgir mais rapidamente.
A tentativa aqui é mostrar que problemas reais existem, Exigem resposta, providências. O povo brasileiro depende delas. Para chegar a esse ponto Lula precisa ser eleito, está quase, falta só um pouco. Ciro está atrapalhando. Ele não tem qualquer chance eleitoral. Não conspira a favor do povo, da democracia. Ele só tem um projeto político sem possibilidades de sucesso, até agora. É só ego. Não tem construção por aí. Ele está demolindo pontes. Isso não é bom. 

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