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Geopolítica e Eleições (por Roberto Garcia)

 

Enquanto concentramos nossas atenções nas eleições que chegam logo ali, tem uma guerra em andamento, cada vez pior. Seja qual for o resultado da nossa confrontação aqui, o que está acontecendo lá longe já começou a nos afetar.

Podemos ver essa guerra de várias perspectivas. Do ponto de vista humano, da nossa espécie, é uma tragédia. Enorme quantidade de gente morrendo, destruição em larga escala, difícil saber se algum dia o que está sendo desmanchado vai poder ser refeito. Os refugiados estão se espalhando, vão fazer suas vidas em outros lugares. As memórias vão permanecer por muito tempo. Serão amargas. Uns vão tentar passar para outra, deixar o passado. Outros vão querer vingança. O certo é que isso vai durar décadas, até séculos.

Os cínicos podem ver isso de cima, com olhos superiores, como se fossem formiguinhas. Estão se aniquilando, vai sobrar pouco. O lado americano, com seus aliados da OTAN, põe a propaganda e as armas, os ucranianos dão seus corpos. Máquina de fazer salsicha. Os russos se sentem atacados, já faz tempo. Tentam se defender, sua guerra vai evoluindo, o paradigma mudando. Na visão deles, é uma confrontação velha, já dura séculos. Eles tem um grande território, um idioma, uma identidade. Que querem preservar. O outro lado quer dividi-los, fazer com eles o que conseguiram fazer com os que estavam na órbita da União Soviética, que viraram opositores, às vezes inimigos. Quando a União Soviética acabou, havia um compromisso, um tipo de acordo de cavalheiros. A OTAN só ia incorporar a Alemanha Oriental, sem tocar o resto. Mas isso era promessa temporária, não demorou, depois de breve intervalo, começou a incorporar outros países e neles instalar forças de ataque aos russos. Os russos barraram a incorporação da Georgia. Mas não conseguiram impedir o resto.

Na percepção de Moscou, Washington continuou o que antes os ingleses faziam. Tentavam desintegrar a Rússia. Era o que se chamava The Great Game, expressão que se pode traduzir como o Grande Jogo, mais parecido como uma grande jogada. . O império inglês lutava para preservar sua colônia na Índia e expandi-la. Os russos se esforçavam para preservar seu pedaço. No meião havia territórios que iam para um lado ou outro.

Na segunda década do século passado a União Soviética se formou. Os russos conseguiram se estabilizar por uns tempos. As duas grandes guerras separaram e uniram os dois lados. Mas isso também não durou. Os ingleses perderam o império. Os americanos herdaram umas partes. A confrontação continuou.

Já neste novo século, a OTAN, que tinha sido formada em 1955 para conter os russos, vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, devia ter acabado quando acabou a União Soviética. O comunismo tinha desaparecido, era o fim da história. Daí por diante era tudo capitalista, não haveria razão para brigar.

Doce ilusão. Os americanos continuaram a ver a Rússia como inimiga, grande demais, que competia com o império deles. Os Estados Unidos não pararam de fazer guerra, invadir território alheio, impor seu controle pelo bem ou pela violência.

Os anos se passaram e o que se viu é que a história não acabou. A Ucrânia tinha tudo para ficar no meio, neutra. Ela tinha sido a semente da Rússia, lá atrás. A maior parte da população falava russo, As famílias se cruzavam. Ainda no tempo da União Soviética, um líder nascido na Ucrânia (Krushev) cedeu um território importante, a Criméia, para a Ucrânia. Melhor sinal de desprendimento não podia haver.

Já neste século, as coisas estavam nesse pé. Mas os americanos acharam que com um pouquinho de intriga iam trazer a Ucrânia para o lado deles. Em 2016, promoveram uma confusão, do mesmo tipo que as chamadas Jornadas de Julho aqui no Brasil, que começou a batalha contra o PT. Derrubaram o presidente, conseguiram por uma nova liderança, que incluía herdeiros do nazismo, inimigos dos russos. Os russos acharam que isso ia comprometer seus interesses e retomaram a Criméia. A maioria russa daquela península disse num plebiscito que queria voltar a fazer parte da Rússia. Os dois lados, Estados Unidos (com a OTAN) e Russia enrijeceram suas posições. O resultado disso foi o Vladimir (que lá se chama Volodymyr) Zelensky, um judeu que começou a vida falando russo e passou para o outro lado. Numa dessas inversões da história, um judeu se aliou aos herdeiros do nazismo. Acontece.

Os russos olharam tudo isso e acharam que tinham visto esse filme antes. Protestaram, fizeram discurso, apelaram para o bom senso, conseguiram até fazer um acordo para impedir que os americanos continuassem a fazer intriga. Não conseguiram. Tanto assim que a Ucrânia, sob a liderança de Zelenski, começou a se preparar para se juntar à OTAN. Um passo essencial para isso era neutralizar a oposição em duas áreas ao Norte e Nordeste da Ucrânia, de fala russa, identificadas com a Rússia, chamadas de Donbass. . E aí os russos barraram. O Putin gritou “alto lá, daqui eles não passam”.

Foi a tal Operação Militar Especial. Iniciada em fevereiro, virou uma guerra que continua crescendo. O objetivo russo era impedir o avanço do lado pró-americano, liderado pelo Zelenski, na região de Donbass. Conseguiram algum sucesso. Estenderam a operação para o leste da Ucrânia, banhada pelo Mar Negro, que é a região mais industrializada, mais próspera, estrategicamente mais importante.

Os americanos não se conformaram. Convenceram os europeus ocidentais, membros da União Europeia, a aderir à causa. E começaram a impor sanções contra o que chamaram de “agressão russa”. A propaganda desempenha papel importante na história. Ela impõe padrões de raciocínio. O que inicialmente era um avanço americano contra interesses russos na Ucrânia, passa a ser pintado como ataque russo. E as sanções causam um rebuliço em toda a economia. Eram para machucar a Rússia mas estão machucando muito mais os membros da OTAN. Os fluxos de comércio foram interrompidos. O gás russo que aquece a Europa foi cortado. O frio está aumentando, a população gelando, tudo sobe de preço, a inflação voltou.

Para conter os russos, os americanos passaram a fornecer armas em grande quantidade. Em seis meses, já gastaram nisso o equivalente ao orçamento inteiro da Rússia. Os russos passaram a vender seu gás para a China e países asiáticos.

Com todas as armas que receberam e com as informações fornecidas pelos Estados Unidos, Zelenski contra-atacou. Conseguiu reverter alguns avanços obtidos pelos russos. A coisa está nesse pé.

Como a operação militar russa foi contida, Putin fez dois movimentos importantes. Convocou 300 mil reservistas para participarem da guerra. E está organizando plebiscitos nas duas regiões do Donbass, que certamente vão resultar na incorporação delas ao território russo. O que isso significa é que qualquer operação militar da Ucrânia-OTAN-Estados Unidos contra essas duas regiões será considerada ataque ao território russo. Aí a coisa engrossa.

Essas pinceladas, que ignoram os detalhes, dão idéia geral da situação. A guerra está se ampliando, os perigos aumentando. Qualquer ataque contra o território russo ampliado poderá ser considerado ameaça existencial contra a Rússia. Que se ficar pressionada demais pode recorrer ao seu arsenal nuclear.

Esse arsenal inclui bombas menores, chamadas táticas, que se usadas podem mudar tudo, seria uma confrontação direta entre Rússia e Estados Unidos. Aí, amigas, saia de perto.

\Poeira nuclear se espalha com os ventos por todo o planeta. Envenena o ar, o solo, as plantas. É ruim para todos.

É nesse contexto la fora que se realizam as eleições no Brasil. Se Lula ganhar, pode ser uma voz de juízo para impedir essa escalada para o abismo. Se Jair ganha, o palerma continuará dizendo asneiras, sem capacidade de influir sobre eventos que afetam a humanidade.

As urnas podem ser ainda mais importantes agora.

Você, Joao Alfredo Boni de Meirelles e outras 14 pessoas
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