Deixemos de lado a discussão sobre emissões de carbono, prognósticos em graus Farenheit, números da devastação amazônica, centímetros ou dezenas de centímetros supostos para transbordamentos oceânicos; ondas de calor, de frio, inundações, ciclones, demais extremos climáticos e outros pontos altos que serão anunciados em tom grave, no próximo ato da ópera climática - a COP 27.
Dada a gravidade do que vem por aí – segundo recentes termos do próprio IPCC -, o mundo já deveria estar bem além da renovação burocrática dos votos de transformação urgente do capEtalismo em coisa distinta do que é. Mas é previsível que, além de postergar recomendações mais convincentes para conferências futuras, a 27ª cúpula global do clima, em novembro,
no Egito, reitere que o Brasil é, hoje, um país de alheios à pauta e refém de interesses bem avessos, dentro e fora de suas fronteiras.O
ecocida, ditador eleito que representará nosso país na conferência é altamente
competente em mentiras e tem ampla base negacionista para ser quem é e fazer o
que faz. Talvez, sua negligência intencional seja denunciada. Talvez, seja ignorado,
porque o mundo nutre ansiosamente a esperança de que o Brasil mude o tom da
prosa climática em poucos meses…
Sonhamos
que o próximo líder brasileiro tenha afinidade com a pauta; em especial, no
cuidado com os mais impactados pelo clima; senso renovado de preservação
ambiental diante da voracidade do mercado; que tenha força política para
repercutir as urgências ambientais brasileiras e metas globais. Que governe com
uma equipe afeita à ciência, que desconstrua o atraso dos últimos anos.
Porém,
é urgente compreendermos que os interesses geopolíticos, as interjeições
diplomáticas globais, as versões de ciência à disposição do mercado verde, os
protocolos corporativos em nome desse amor impossível entre modos de produção
capEtalistas e meio ambiente ofuscam o óbvio de que a imensa maioria dos seres
vivos impactados pelo clima não tem conhecimentos a respeito. No caso da flora
e da fauna, a sensibilidade e vulnerabilidade são evidentes, mas esses não têm
voz. No caso das vidas humanas, a pauta climática conta apenas com vagos lumes
faiscados pela mesma mídia que, até ontem à tarde, era negacionista. Ainda que
veiculando versões convenientemente polidas, a mídia permanece organicamente
dependente da publicidade corporativa - fóssil, inclusive - que bem sabemos:
busca a continuidade ilimitada de vendas e lucros, sustentáveis ou nem tanto.
A
desinformação reina! Seu reflexo nítido está nos anseios irrestritos pelo
consumo e pela manutenção do insustentável modo de vida vigente como objetivo
social e político.
A
alienação pelo transe cotidiano, entre os “corres” da crise econômica
permanente, reiteram a desinformação. E não é apenas sobre o clima, porque
nosso negacionismo é estrutural e envolve as questões ambientais como um todo.
Padecemos
de profunda aversão aos entendimentos da ecologia. Em contraponto às lentes
sensacionalistas sobre minorias que anseiam pela salvação do planeta, vigoram
na concretude sisuda do mundo do trabalho, do mercado e no universo paralelo da
maioria dos políticos: o antiambientalismo, a estigmatização das propostas de
mudanças de modos de produção, hábitos de consumo e modos de vida. A régua
civilizatória produz o enriquecimento brutal de poucos, a partir da cultura de
devastação e da naturalização imposta aos povos. Mas, atenção: males
socializados, cada povo será responsabilizado e cobrado, cruelmente, pela
própria alienação.
Entre
nós, brasileiros, naturalizamos desde os primórdios, a apropriação da terra e o
desprezo pela cosmovisão dos povos originários - hoje celebrados como detentores
da tecnologia de salvação das florestas, mas povos-alvo dos ecocidas no poder.
Naturalizamos em nossa história a invasão e a ocupação, a colonização e a exploração, o antropocentrismo e a escravização. Naturalizamos saque e pilhagem. Naturalizamos truculência e partilha de territórios entre truculentos. Naturalizamos promiscuidades entre poderosos e devastadores. Naturalizamos tortura e desigualdade, indiferença e descaso sob uma história brutal bordada oficialmente a ouro e folclores sobre um povo pacífico, amante dessa natureza inesgotável.
Naturalizamos
um deserto de desamor às gentes do país e destruição ambiental, tudo produzido
a botinadas e covardias! Um deserto de miragens políticas que banalizam o
abismo entre nossas misérias e as mais descaradas riquezas, locais e globais.
Está na literatura. Está no cancioneiro. Está na nostalgia. Está na história e
pulsa - presente - nas entrelinhas de desnatureza de cada Câmara Municipal do
país. Estamos a serviço da devastação em nome do bem estar de poucos.
De
que vive a maioria dos nossos políticos? De direitos humanos é que não. De
justiça social é que não. De preservação ambiental é que não. De respeito aos
saberes dos povos tradicionais, também não. De cuidado com as águas, o solo,
flora e fauna, óbvio que não. De ecologia, certamente, não. De amor ao
ambientalismo, muito menos... Dúvida? Ouça rádios locais, leia jornalecos e
mídias sociais em pequenas cidades. Veja televisão. Vá à sessão da Câmara,
participe de eventos na Associação Comercial de sua cidade, vá às confrarias da
construção civil e testemunhe. Porque sei que não basta a palavra dos
ecochatos, abraçadores de árvores ou da própria ciência. Nem sequer colapsos em
série têm bastado para as pessoas aceitarem o óbvio de que passamos dos limites
da devastação naturalizada!
Entre
indignação e resignação, em todos os cantos do país ecoa o velho clichê do
autoengano, o lamento antigo, ainda sussurrado diante da chacina ambiental:
“Ah, é assim mesmo. É o progresso”...
Entre opacas clarezas da sociedade brasileira sobre as mudanças climáticas, seguimos reféns de uma institucionalidade que, em nome do progresso, lutou ferozmente - não contra bandos de ecologistas e ambientalistas radicais - contra os protocolos de sustentabilidade da Agenda 21, que o Brasil subscreveu junto à ONU – organização acusada de “comunista” por personalidades políticas em toda parte. Aconteceu muito antes do fascismo que se alastra sem freios pelo chão reacionário e fértil do país - que a maioria dos políticos luta cotidianamente para impermeabilizar.
Para além da retórica eleitoral, hora dessas, cairemos na real de que o Brasil que elegeu o ditador e ecocida que aí está, nada tem de novo. É bem maior que o rebanho infernal que batizamos de “bolsonarismo”. É um país que nunca se importou em sacrificar o meio ambiente pelo que chama de progresso. Fomos, ainda somos um país que não tem respeito por florestas, rios, praias, natureza. Um país que negocia cumplicidade política com terras - há séculos! Ainda, o país dos capitães, coronés, fazendeiros, construtores, empreiteiros e outros painhos políticos comarcas afora… É assim em todo o mundo? Sim, em boa parte. Mas estamos falando de nós!
Em cada mínimo município brasileiro, árvores, matas inteiras são derrubadas para satisfazer apetites políticos. Por toda parte, o Brasil está vendendo urbanidades equivocadas. O poder econômico exige a troca de natureza por impermeabilidade e a classe política aplaude, enquanto pedagia a destruição para o poder público, que a repassa à sociedade como maravilha civilizatória – preservação, para a institucionalidade brasileira é prejuízo econômico.
Nunca antes neste país houve tamanho desmatamento. É fato. Mas somos um país que nunca deteve os anseios pela devastação – ilegal ou legal - com o necessário vigor; nunca fomos radicais em conter a contaminação de águas superficiais e subterrâneas, solos, ares, alimentos ou mesmo a expulsão de brasileiros para exploração de suas terras. Somos o paraíso político das autoridades que aprovam garimpos e agrotóxicos, criam projetos que transtornam meio ambiente e sociedade, mandam efluentes rio abaixo, destroem natureza com projetos megalomaníacos, superfaturam o caos enquanto reclamam que o povão deseducado é o culpado pela devastação, porque atira bituca de cigarro no córrego... O país a transformar é este!
Qualquer país que sonhássemos pela urgência atual, pela leitura científica, já estaria nas ruas, fosse por uma amoreira derrubada num bairro ou pela Amazônia. Nessa dimensão utópica, um povo que entendesse o que está acontecendo cassaria mandatos – de vereador de vilarejo a governador ou presidente - que permitissem a contaminação de lençóis freáticos, córregos, valas, rios e manguezais. Organizaria uma greve geral pelos povos indígenas! Atravessaria lavouras e pastos dos assassinos do agronegócio em resistência ampla à destruição do solo, ao envenenamento do ar, das águas e dos alimentos por agrotóxicos.
Negaria veementemente a cultura pecuária que pisoteia solos e cidadanias do país desde as raízes. Lutaria contra a morte das abelhas, ao invés de tratar isso como frescura de ecochatos. Ergueria barricadas diante dos tratores para defender matas, rios, futuro de filhos! Nesse delírio, estaria preso cada político negligente com educação e saúde, cada gestor ligado às máfias de resíduos sólidos; cada tecnocrata desviador de remédios e alimentos, cada picareta que endossasse projetos de destruição, cartéis de aterros e negociatas com geradores de passivos de toda ordem. Que justo! As cadeias estariam repletas de ecocidas engravatados de farda, de terno, de anel no dedo. Condenaríamos a cultura de devastação vigente, antes mesmo do ditador eleito brotar como possibilidade!
Mas, despertemos. Somos aquele país que considera um sonho assim ridículo!
O povo de uma das terras mais cobiçadas do planeta, o povo que tem sobrevivido a todo tipo de ganância e violência em detrimento de suas qualidades, saberes e naturezas, o povo que carrega o país nas costas, agora tem por missão – perante a humanidade e os mesmos colonizadores que produziram a tragédia ambiental global - assimilar a emergência climática, mudar sonhos e modos de vida, repensar o futuro - incluindo adaptação e resiliência ao clima -, enquanto lida com toda sorte de colapsos, depois de aprender por séculos que é preciso obedecer ao modelo de devastação, porque aí reside a prosperidade - a começar pelo almoço de hoje…Que contradição brutal!
Os extremos climáticos já estão entre nós. Atingem e atingirão nosso povo - o povo trabalhador - na mesma ordem de classes vigente...Colapso ecológico. Colapso hídrico. Colapso energético. Colapso na produção, distribuição e acesso aos alimentos. Colapso na saúde. Colapso urbano. Colapso ético. Êxodos, refugiados… São riscos presentes, não mais catastrofismos ou delírios de ecologistas!
Dar
conta disso tudo, para além das correlações de forças políticas, da pressão econômica,
das violências produzidas no país, da fome à educação; promover justiça social; retomar a busca pelo
cumprimento mínimo dos direitos natos dos brasileiros, não pode prescindir de
enfrentamento ao conservadorismo e, pelo menos, do início de um longo ciclo de
transformação cultural, a partir de um ambientalismo popular que dê conta das
urgências básicas do país. Um ambientalismo focado em mobilização e educação
para produzir comida pela agroecologia, para produzir água ecologicamente, para
regenerar vegetação, além de parir uma estrutura organizada para dar conta dos
processos de adaptação e resiliência ao clima. Sim, será necessário e para
muito além dos protocolos, é preciso compreender que é isto ou barbárie!
A
pauta ambiental ganha cada vez mais importância e eleger Lula, também por sua
desenvoltura política internacional, definirá a forma como o povo brasileiro
enfrentará os extremos climáticos e múltiplos colapsos em curso. Porque há
muitos recursos condicionados à preservação ambiental, à transição ecológica,
às metas e iniciativas dirigidas ao clima.
Caminhamos
para uma eleição plebiscitária em quase todos os aspectos e não apenas com os
olhos no Brasil. Escolheremos o que será da Amazônia e demais biomas
brasileiros e, com isso, definiremos os impactos dessa preservação - ou não -
para todo o planeta.
Que voltemos ao velho raso democrático para revogarmos os estragos e aplicarmos da melhor forma possível a legislação ambiental brasileira, além de contarmos com a força política impreterível dos movimentos socioambientais mobilizados no processo.
Lula, uma vez presidente – por sua importância histórica, pelo respeito que inspira, pela clareza política, pela capacidade de aprender e ensinar, pelo final óbvio de seu ciclo; já consagrado no altar dos mais sábios políticos do mundo -, bem pode usar a potência de sua voz, transcendendo o papel institucional de presidente para impactar a cultura brasileira, lançar as bases de um ambientalismo popular pioneiro e de uma nova economia que equacione prosperidades de fato e de direito para todos, envolvendo o país no enfrentamento soberano às mudanças climáticas e usando seu prestígio para validar os saberes naturais do povo brasileiro, quem sabe, assim, ajude a virar a página da devastação ambiental naturalizada no Brasil..
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