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Deus, Pátria, Família (por FregaJr)

Na primeira metade do Séc XX, as grandes transformações sociais iniciadas com a Revolução Industrial e  difusão do uso da máquina a vapor, com as guerras napoleônicas a desmontar a concepção do direito divino dos reis, o vicejar do antissemitismo, vindo lá da Idade Média com suas superstições e consolidado pelos movimentos de consciência social da exploração do trabalho, habilmente desviado para a conta dos judeus, o colonialismo, a Conferência de Berlim repartindo a África, último território a ser pilhado, tudo isso, ou seja, a revolução tecnológica resultou na revolução social. De certa forma, a russa de 1917 pode ser vista também por essa ótica das grandes transformações.

Dessa barafunda e instabilidade, negacionista dos valores até então inquestionáveis – um parênteses, há uma obra em cinco volumes chamada Os Thilbault, de Roger Martin du Gard, Nobel de 1937, que muito bem retrata esse período conturbado – naturalmente resultou nos movimentos autoritários e repressivos em defesa das elites do capital, contrapondo-se aos movimentos igualmente autoritários e repressivos em ataque a essas mesmas elites, como o movimento comunista na Rússia.
O nazismo e fascismo, espalharam-se pelo Ocidente com características quase comuns: Estado forte e autoritário, segregação racial, xenofobia, enaltecimento de imaginários valores nacionais e disposição bélica.
O Brasil, evidentemente, não seria uma exceção. O Movimento Integralista e a ditadura do Estado Novo fazem parte de nossa história.
Esse movimento, Ação Integralista Brasileira, inicialmente apoiou Vargas, em 37 foi proscrito e proibido, tentou um golpe em 38, frustrado. Eu lembro de seu líder Plinio Salgado em comício de sua candidatura na eleição de 55. Uma figura magrela com uma oratória forte. Mas isso é reminiscência.

O fato é que, embora o líder do movimento inspirado no fascismo italiano não pactuasse diretamente com ideias racistas, essa visão não era partilhada por grande parte dos quase dois milhões de associados. Há relatos de espancamentos de pretos no Rio de Janeiro em 1936. Da mesma forma, o antissemitismo representou-se na não pequena parcela de nazistas da AIB.
Contei essa história toda por um motivo.

A proscrição da AIB no Estado Novo deu azo a que diversos grupos e associações se formassem, inspirados na própria plataforma de extrema direita da extinta AIB, incrementada pelas teses nazistas e fascistas de um mundo que se incendiava. A depender da densidade maior de italianos ou de alemães nos locais, pendiam mais, ora para o fascismo, ora para o nazismo.

O fac-simile do manifesto endereçado ao Min. Oswaldo Aranha, muito provavelmente entre 1938 e 1942, ocasião em que era Ministro das Relações Exteriores, foi encaminhado por um desses grupos, o da cidade de Marcelino ramos no Rio Grande do Sul, com colonização preponderantemente por imigrantes alemães, italianos e poloneses no início do Séc. XX. Ou seja, população de imigrantes e descendentes próximos, muito ligados ainda culturalmente a suas regiões de origem.
Oswaldo Aranha era um americanófilo de carteirinha, opunha-se inclusive às correntes germanófilas no governo do Estado Novo,  que incluíam o Ministro da Guerra, por exemplo, Eurico Gaspar Dutra e o gen. Góes Monteiro. Dessa época também surge a figura que desencadeou o golpe de 64, gen. Olympio Mourão Filho. Em 37, ainda oficial novo, forjou o chamado Plano Cohen, que viria a justificar 37 como um contragolpe.

Voltando ao manifesto, destaco dois parágrafos.
“Visando impor restrições aos de reça, fé, ascendências e descendências judaica”, mais alinhado a Rosenberg em particular e ao nazismo em geral, impossível.
O segundo parágrafo é a referência ao DL 406/38, onde é expressada a proibição de ingresso no território nacional de
Art. 1º Não será permitida a entrada de estrangeiros, de um ou outro sexo:
       I - aleijados ou mutilados, inválidos, cégos(sic), surdos-mudos;
      II - indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres;”
As proibições desse artigo vão até a alínea XI, mas destaco essas duas primeiras pelas características de eugenia e de racismo. Típicos também dos regimes fascistóide em voga na Europa. E também nos Estados Unidos, não esqueçamos.
Para quem quiser conhecer o inteiro teor desse Dec Lei está no link

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-406-4-maio-1938-348724-publicacaooriginal-1-pe.html

O outro destaque, deixei por último de propósito, trata da origem da palavra de ordem do projeto de fascistóide que temos na presidência. Mas acontece que nem sabe de onde vem, é um poço de ignorância e obscurantismo.

Deus, Pátria, Família, emoldurando uma suástica. Pensando bem, isso diz tudo sobre esse indivíduo. Até explica a mentira (mentiroso compulsivo que é), a mentira de se orgulhar do seu avô ter sido soldado de Hitler. Em seu devaneio, adoraria mesmo ter essa cruz gamada no antebraço.

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