A eleição pode estar perdida. Jair não consegue alcançar. Terceira via não decola. Não há como evitar, não tem jeito, Lula vai ganhar. Mas o jogo não é assim, de curto prazo. Esse evento de outubro, em que o povão vota, é mero acidente de percurso, um detalhe.
Já se percebe agora, faltam uns poucos dias, que a armação do dia sete não deu certo. O que as falas sem sentido de Jair e da curriola fizeram, os passeios de moto, coisa de louco, a distribuição de armas, sem limite -- isso só serviu para alertar os que tem muito e querem preservar. Perceberam que a família mafiosa quer trilhar caminho perigoso. E resolveram barrar.
Mas deixaram que o Congresso andasse solto. Todas essas bondades, feitas de emergência, tem prazo certo pra acabar, o fim do ano. O Papai Noel, os presentes distribuídos agora, nas vésperas do voto, tudo ilegal, que deram um certo alívio, não muito, vão acabar. Depois deles fica um buraco no orçamento, prejuízo difícil de tapar.
Lula pode ganhar, é quase certo. Mas começa o ano sem dinheiro. Povão que ganhou presente quer mais. Não tem jeito fácil de atender. A frustração vai surgir, logo no início do governo. As reclamações também. O plano a longo prazo incluiu exatamente isso, criar bondades que acabam, criar expectativas que não podem ser atendidas, o que gera insatisfação, logo na partida.
O plano foi feito nos apuros, quando perceberam que a eleição estava perdida. Negar posse é impossível. O caminho que encontraram foi tornar o governo de Lula difícil. Isso eles podem fazer e vão pelo menos tentar.
Mas tem outro lado, sempre tem. Se fosse inexperiente, bobo, Lula ficaria confuso. Tentaria apertar muitos botões de emergência, que não dariam certo. Mas o contrário acontece. Lula já viu esse filme, não vai querer entrar nessa.
Vejam o que aconteceu na Argentina, no Chile, no Peru. A esquerda ganhou mas logo de cara teve crise. Esperavam muito dela, mas faltavam recursos. Expectativas não atendidas geraram insatisfação. Os novos governos não entenderam, ficaram perdidos. Nem um ano passou e já estavam em crise.
Esse jogo está claro, quem tem olhos vê. Lula tem muitos olhos, fez alianças. Tem governo de consenso, onde tudo é compartilhado. Um número grande de líderes que podem se beneficiar, se as coisas derem certo. Isso ajuda a desmontar o plano feito pelo outro lado.
Não vai ser fácil trilhar esse caminho, com minas preparadas para explodir a toda hora. Fácil não é, já se sabe. Mas não é impossível. Política é a arte do possível. Um programa amplo de emprego pode ser deslanchado, que ampare grande número de pessoas. Construção civil emprega trabalhador. Cada obra requer bloco, cimento, ferro e aço, muito fio, canos de todos os tipos. Isso tudo tem quer transportado. Os serviços se ativam. Isso anima os que produzem esses insumos. Empresário que vende e começa a ganhar, apoia o programa. Isso neutraliza parte substancial da oposição, que sempre aparece.
Um programa amplo, desse tipo, tem sempre problema, impossível evitar que alguém queira abusar, ir além dos limites, criar corrupção. Mas pra isso é preciso ser inclemente. Fiscalização tem que ser intensa, não perdoar nem amigo nem inimigo é a única receita. Pode ser feito. O importante é não deixar que surja a impressão de que tolera. Punição exemplar e rápida tem que ser dada. Em cada caso que aparecer. Aliado deve saber que pode ganhar a longo prazo, muito mais, se fizer tudo certo. Muito mais que judiciário e polícia, contudo, é criar pressão social para demonstrar que se agir dentro da lei, sem escorregar, é bom individualmente e também para todos. Isso é parte da nova cultura que precisa ser generalizada. Discurso será bom, imprescindível, mas ação também.
Saúde será outro campo prioritário. O SUS foi uma das maiores invenções brasileiras. Toda força para ele. É possível, sim, acabar com as filas, meses à espera de uma cirurgia e tratamento. É possível formar mais médicos. Enquanto eles não vem, pode-se importar, não só 13 mil mas trinta mil. Para atender pacientes onde os outros médicos não podem, sejam quais forem os motivos, nem querem ir. O Brasil é um país grande. Maior será se sua população for mais saudável, melhor orientada, para agir preventivamente. Não é necessário comer mais hambúrguer e batatinha frita, doces a granel. Nem achar que criança gosta de refrigerante quando pode ter água, pura, potável, sempre. A obesidade que começa a se espalhar entre os mais pobres não existia cinquenta anos atrás. Ela causa um sem número de doenças, evitáveis. Que onera o sistema de saúde. Boa alimentação deve estar no currículo das escolas, desde o começo. E também ensinada nos postos de saúde e nos domicílios. A televisão e as redes sociais podem ser usadas, criativamente, para ensinar bons hábitos, inclusive de alimentação, em vez de serem apenas campo livre para as fake news. O rádio não pode continuar como império da música ruim, da ignorância e dos aproveitadores da fé.
A pandemia mostrou a dedicação dos médicos, enfermeiros, de todo o pessoal da saúde. Eles estiveram entre as vítimas do vírus. Mas as associações de classe dos médicos fez parte do golpe, suas organizações se calaram diante das cloroquinas, foram quase unânimes no combate ao Mais Médicos, em geral calaram diante dos Pazuellos e da ocupação do Ministério da Saúde por militares. Essa estrutura está podre. Os médicos têm que resolver isso. Uma vassourada não faria mal. Melhor que intervenção de governo, os próprios médicos podem se dispor a varrer.
Governo não faz tudo. Há espaço para todos. Mas bem que o governo poderia entrar mais decidido na área da educação. Em todos os níveis, municipal, estadual e federal. Que deve ser, prioritariamente, público, gratuito, de excelente qualidade. A classe média não precisa pagar ensino particular. Da creche ao fim do ensino médio, nas escolas técnicas, profissionalizantes, nas que ensinam filosofia, ciências sociais, psicologia, biologia. O campo conhecido como STEM, ciências, tecnologia, engenharia e matemática é próprio para o ensino público. O ensino privado deve continuar, para os que desejarem. Há muitos países no mundo onde educação pública, de primeira qualidade, funciona muito bem. Pode funcionar no Brasil também, em todos os níveis. Em quinze, vinte anos, o país pode dar um salto nessa área. Deve. Se Lula fizer num novo período muito mais do que fez no primeiro, muda a cara do país, pode levá-lo lá para a frente.
Essas são tarefas prioritárias para um novo governo. Como ele representará ampla base de apoio, de partidos progressistas, pode esvaziar a pauta do atraso. Deixar que os golpistas fiquem falando sozinhos, sem chance. Será melhor para o Brasil.
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