Regimes democráticos não são perfeitos, ao contrário, trazem
em si contradições comprometedoras, no mais das vezes. Não há um modelo, uma
forma, um desenho único. Mas há princípios.
Princípios de cidadania universalizada, de direitos igualitários, de escolhas
de permanência e alternância no poder, de garantias contra o arbítrio do Estado
e do próprio Estado contra ação de aventureiros.
A esse conjunto chama-se Estado Democrático de Direito.
Estado de Direito tem
regras definidas e claras. Estado Democrático de Direito tem regras definidas,
claras e democráticas. Uma ditadura pode ser o primeiro, nunca o segundo.
Pois bem. Ainda assim os regimes democráticos não são
perfeitos. Pessoas não são perfeitas, pessoas dirigem instituições.
Como
prevenção, o sistema democrático de governo prevê mecanismos de freios e
contrapesos. Evita a exagerada concentração de poder em uma instituição, limita
as ambições pessoais de poder, previne tiranias.
Apesar desse princípio, há uma pré-condição ao funcionamento harmônico, ou
quase, das instituições democráticas: a que os detentores do poder não sejam
delinquentes intelectuais e ajam articulada e deliberadamente para afrontar e destruir a
própria democracia.
Infelizmente é o que se vê nessa quadra da vida nacional. Poderosos delinquentes,
antidemocráticos.
O Presidente do Executivo, incapaz de conviver em ambiente
democrático, o qual despreza profundamente. Prega sua ruptura.
E brande, como
ameaça, as Forças Armadas das quais é comandante supremo, nos termos da
Constituição, e que apresentam um péssimo e secular histórico de intervenções políticas
e submissão da sociedade civil em razão de seu poderio armado.
Conta com a cumplicidade do Procurador Geral, a quem compete, com
exclusividade, a apresentação de denúncia criminal contra si. Não o
fazendo, os ataques presidenciais às demais instituições correm à rédea solta.
Também o Presidente conta com a cumplicidade do Presidente da Câmara Federal,
no caso negociada por meio de um inconstitucional e imoral artifício
orçamentário e que destina, anualmente, bilhões de Reais em emendas para a base de apoio
parlamentar.
Como é de livre arbítrio do Presidente da Câmara aceitar, arquivar
ou não se manifestar sobre denúncias de crime de responsabilidade cometidos, representa
uma carta branca ao Presidente do Executivo para suas pautas golpistas.
Com isso, a má intenção contorna todos os freios e contrapesos desenhados para
a normalidade democrática. Nem é ameaçado pelos crimes comuns e nem pelos de
responsabilidade que comete. Uma blindagem efetiva.
O STF, um tribunal jurídico-político, tem a última palavra sobre temas
constitucionais. E o defino como jurídico-político em razão de que disposições constitucionais,
em geral baseadas em princípios, podem exigir interpretações para sua aplicação
prática. Necessariamente essas interpretações ocorrem pela moldura da cultura
vigente. Normal que assim seja. O que, de uma forma ou de outra, lhe torna um Poder menos permeável a pressões
ou barganhas.
Claro está que as
pretensões de ruptura democrática passam necessariamente pela anulação do STF.
Mas não pára por aí.
O processo de indicação e validação dos membros da Corte Constitucional começa
pelo presidente do Executivo e que submete o nome escolhido ao escrutínio pelo
Senado. No modelo, é uma forma democrática, envolve os dois outros poderes e,
por meio dos representantes, validado indiretamente pelo voto popular. Não é um mau sistema.
Porém... Ah! Pressupõe que
não haja má intenção delinquente.
Como no Regimento Interno do STF há previsão de interrupção de julgamentos por
pedido de vistas, os ministros escolhidos a dedo, indicados e aprovados pelo Senado, usam esse
artifício para paralisar e bloquear qualquer entendimento em que de verifique
dissonância com a pauta do governo.
Essa possibilidade permite que até medidas inconstitucionais vigorem, porque a
Corte fica impedida de suspendê-las.
Reparem como a democracia é frágil quando confrontada com a bandidagem
investida de poder.
Resta, como último recurso, aguardar que o tempo do mandato flua e se proceda o
reencarrilhamento desse trem descarrilhado e desgovernado.
A eleição é o último
remédio e o mais potente de todos. É do povo que emana a soberania cidadã e que
é exercida pelos representantes eleitos pela falta de mecanismos e de
nivelamentos necessários à democracia direta. Por enquanto, ao menos.
Aí o que faz o grupo delinquente? Ataca o processo eleitoral. Tenta a
mobilização nas ruas, por apoiadores, para confrontá-lo, desmoralizá-lo, criar
insegurança e dúvida.
Estamos vendo tudo isso acontecer e, não tivesse sido esse governo, a mando ou
não dos marechais, tão incompetente, tão danoso, tão prejudicial e tão
destruidor, talvez até tivesse sucesso em liquidar a democracia.
Nossa sorte, como cidadãos, foi a hecatombe social que provocou.
Por mais
paradoxal que seja, seremos salvos pelo desastre.
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/09/07/rio-7-de-setembro-tem-caixao-do-stf-cortejo-de-jet-ski-e-pedidos-de-golpe.htm
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