Absolutamente ninguém, em sã consciência, poderia se opor à adoção de um piso salarial nacional aos profissionais de enfermagem. Muito ao contrário, pela sua importância nos momentos de maior vulnerabilidade, pelos riscos físicos e emocionais a que são diariamente submetidos, pelo regime de trabalho, por tudo isso merecem um salário digno. Todos profissionais merecem, os profissionais da saúde, em particular os da enfermagem que dificilmente podem exercer suas atividades de forma autônoma, mas sob vínculo empregatício, precisam da intervenção do Estado.
Acredito que quanto a isso ninguém - ou somente uma pequena e inexpressiva minoria - discorde.
Aí vem o Congresso, discute, debate e aprova uma Lei instituindo o piso salarial para a categoria. Aplausos. O presidente sanciona, aplausos também.
Aplausos todos, não fosse um pequeno e importante detalhe.
O Art 169 Parágrafo único da Constituição somente autoriza a "concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração" ao servidor ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ...
Ora, o sistema dos Três Poderes, com origem tórica em Aristóteles, Locke e Montesquieu e adotado, com algumas variações e adaptações, nos estados modernos incorporam freios e contrapesos que tornem o conjunto mais estável, previsível e preventivo de tiranias e aventuras personalísticas.
Não basta, portanto, o Legislativo aprovar uma lei, o Executivo sancioná-la. Caso alguma parte da sociedade entenda que teria ocorrido irregularidade em sua formulação e aprovação, alguma infringência à lei maior, ferido dispositivos constitucionais. o Judiciário pode ser provocado, ouvir a argumentação das partes caso considere necessário e verificada a ocorrência de irregularidade, com a obrigação de se manifestar suspendendo os efeitos parcial ou totalmente da lei aprovada e sancionada.
É assim que funciona. Ainda bem que é assim.
Como há indício de descumprimento do art 169 acima transcrito, os efeitos foram suspensos para que seja indicada a fonte dos recursos.
A situação fica ainda mais crítica pela razão do governante, em plena campanha para reeleição, haver interferido na arrecadação estadual e municipal com a redução das alíquotas do ICMS incidente sobre os combustíveis, o que poderia tornar insustentável a prestação dos serviços de saúde à população pelo SUS, por incapacidade financeira dos entes federativos responsáveis, essencialmente Municípios e Estados.
Já o sistema de saúde privado, diretamente suportado pelos usuários, diretamente ou via planos de saúde, poderiam se ajustar mais facilmente, embora com impactos significativos.
O que fez o STF?
Suspendeu os efeitos da lei aprovada - não anulou seus efeitos - por 60 dias. Tempo suficiente para que os responsáveis pelas finanças públicas explicitem as fontes de recursos que serão utilizadas para a cobertura da despesa com pessoal.
Se não tiverem sido irresponsáveis eu demagógicos, não terão dificuldade em apontar de onde virá o dinheiro. Conforme determina a Constituição.
Acontece que não se pode confiar na responsabilidade e honestidade intelectiual desse governo e de sua base parlamentar. Muito provavelmente jogaram só pra torcida, espetando a impopularidade nos ombros de outro Poder.
Terceirizam culpas e responsabilidades. Matreiros.
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