A crônica de autoria do genial Gregorio Duvivier publicada originalmente na Folha, ganhou campo e mundo, ocupou telas de celulares e computadores, gerou sorrisos e lembranças do também genial Sérgio Porto e seus Febeapas. Tão bom constatar que mesmo em tempos trevosos, o gênio humano sobressai, como brotam lindas flores em pântanos tóxicos. Vale muito a leitura, o aplauso e homenagem à Folha, por abrigar vozes de resistência intelectual em suas páginas, pelo jornalismo de alta qualidade. (FregaJr)
"Bolsonaro é a nossa velhinha da lambreta.
Caso você queira escapar da investigação por um crime comum, basta
cometer um crime contra a humanidade.
"Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta."
Stanislaw Ponte Preta conta, em sua crônica mais famosa, a história dessa
velhinha motoqueira que atravessa todo dia a fronteira levando um enorme saco
na garupa. "Que diabo a senhora leva nesse saco?", pergunta o fiscal.
"Areia!". O fiscal descrente inspeciona o saco, e pasme: é areia. E
todo dia a história se repete, e a velhinha passa com seu saco. E todo dia ele
inspeciona. Mas é sempre areia. O fiscal, morto de curiosidade, promete que não
vai prendê-la, só quer mesmo saber. "Promete que não espáia?",
pergunta a velhinha, que então confessa o que estava contrabandeando o tempo
todo. "É lambreta."
Bolsonaro é a velhinha da lambreta. O parlamentar descobriu, ao longo de
30 anos de vida pública, a solução perfeita pra multiplicar o patrimônio e
passar despercebido: colocar um bode na sala. Não acho que Bolsonaro acredite
nos descalabros que diz. O candidato teve uma epifania, talvez a única da sua
vida: descobriu que, se você elogiar torturador, condecorar miliciano, celebrar
homofobia, ameaçar bater em mulher, ninguém vai reclamar que você empregou uma
dúzia de funcionários fantasmas no seu gabinete.
A estratégia não deixa de ser corajosa. Descobrimos, graças ao
presidente, que, caso você queira escapar da investigação por um crime comum, a
melhor maneira é você cometer um crime contra a humanidade. Quem é que vai se
preocupar com um cheque de R$ 89 mil pra sua esposa quando você tem 600 mil
mortos nas suas costas? O crime anterior agora parece ridículo. Ou, como o nome
diz: comum. E quanto maior o crime, mais lenta a justiça. O Tribunal de Haia é
mais devagar que o Supremo.
Bolsonaro carrega um cadáver no porta-malas do seu carro. Mas ele dirige
pelado, falando no celular, sem cinto de segurança e cometendo uma dúzia de
infrações menores. Ninguém se lembra de checar o bagageiro. Mas o cadáver tá
lá, o tempo todo.
Juliana Dal Piva descobriu que sua família comprou mais de cem imóveis,
a maioria com dinheiro vivo. Isso deveria ser o primeiro assunto a ser perguntado
em todo debate e em toda sabatina. Voltando pra história da velhinha: a gente
fica olhando pra areia, porque a areia, no caso dele, é metanfetamina. Mas não
acho que seus crimes de opinião sejam o pior que ele faz. Tem coisa grande
passando por debaixo do pano. Alguém precisa lembrar de pedir a documentação
dessa lambreta."
Comentários
Postar um comentário