Plagiando Belchior em “Sujeito de Sorte”, eu também posso me considerar uma pessoa de sorte. Mas tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro; nestes quatro anos eu morri, mas este ano eu não morro..
Sinto-me, atualmente, tal qual Cazuza
quando o poeta cantou seu desalento
diante de um mundo sem causas para lutar na
canção “Ideologia”, de 1988.
(...) Pois aquele garoto que ia
mudar o mundo
Agora assiste a tudo
em cima do
muro
Meus heróis
morreram de overdose e meus inimigos estão
no poder
Ideologia
Eu quero uma
pra viver.
Eu também quero uma Ideologia pra
viver.
Sabemos que com a crise econômica
dos anos 80 e a desagregação do mundo comunista, as ideologias teriam perdido
status. Essa percepção ficaria mais clara após a Queda do Muro de Berlim,
quando o liberalismo prevaleceu sobre o sistema comunista. Decretou-se o fim do
trabalho, bem como o fim das ideologias.
O sociólogo/filósofo Zygmunt Bauman expressou
esta ausência de ideologia através do conceito de Modernidade Líquida. Vivemos
tempos de Modernidade Líquida, em que o individualismo, o neoliberalismo, o
desprezo aos mais pobres, aposentados, mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas,
refugiados, imigrantes, aqueles que não são alvo do consumo, sofrem um
apagamento histórico, um verdadeiro extermínio, com as consequentes volta da
pobreza, da fome, da exclusão social, com o ressurgimento do neonazismo e do
neofascismo, de golpes contra as democracias, de guerras hibridas de dominação
capitalista.
No Brasil, o neoliberalismo
excludente nos foi imposto por um golpe em nossa democracia em 2016.
Vivenciamos, desde então, um tempo de perdas de direitos, de soberania, de
barbáries, seguido de genocídios contra o povo pobre, os povos originários, e
de destruição implacável do meio ambiente. O negacionismo em relação à ciência
levou à morte por Covid mais de 678.000 pessoas no Brasil. Grande parte dessas mortes poderia ter
sido evitada.
Um tempo de fanatismo religioso,
em que numa chamada Marcha para Jesus, transformada em ato político na campanha
eleitoral em curso, apoiadores do candidato à reeleição à Presidência da
República pelo PL o recepcionaram com uma arma gigante, símbolo de sua campanha.
O ato organizado por setores da igreja evangélica, que o apoiam, conseguiu
juntar em um só ato o louvor ao improvável, ao impensável: toda a violência e
morte simbolizadas pelas armas, palavras de ordem de intolerância religiosa e
política. Tudo isso afronta a mensagem do amor e da vida pregada na Bíblia por
Jesus.
Estamos vivendo tempos sombrios
no Brasil; em vez da celebração da festa cívica do processo eleitoral,
presenciamos momentos de grande risco à normalidade democrática, com afronta às
instituições da República e ameaças aos resultados das eleições, com
questionamentos infundados e desacompanhados de provas, que põem em cheque a
lisura de nosso já consagrado e respeitado processo eleitoral. Perante
embaixadores do mundo inteiro, assistimos ao deprimente comportamento do atual
presidente, que expôs o Brasil ao maior vexame internacional de sua história.
Setores organizados da sociedade
civil, instituições e cidadãos comuns assinaram, em finais de julho, um
Manifesto, suprapartidário, organizado pela Faculdade de Direito da USP — Carta
às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito —,
que, neste momento em que escrevo, já ultrapassa meio milhão de adesões.
Aderiram ao Manifesto segmentos
expressivos da sociedade brasileira, tais como a Federação das Indústrias, dos
Bancos, CNBB, ABI, representantes do Judiciário; um amplo espectro da sociedade
se pronuncia em defesa de nossa democracia e se coloca em vigília cívica contra
as tentativas do atual presidente e candidato à reeleição de dar um golpe em
nossa democracia, e bradam de forma uníssona: Estado Democrático de Direito
Sempre!!!
Como resistir? Como não sucumbir
à sensação de impotência? Como lutar para mudar tudo isso? É possível? De que
forma?
Friedrich Nietzsche, o filósofo, nos alerta: “Aquele que
luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro.
Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.
Convoca-nos a estar alertas para os perigos de, ao combater a intolerância, a
barbárie dos tempos atuais, nos igualarmos aos monstros, aos sociopatas.
O pacifista Martin Luther King Jr
segue na mesma vertente do filósofo alemão: "A lei do olho por olho acaba
por deixar todo mundo cego”; “Pela violência você pode matar um assassino, mas
não pode matar o assassinato. Pela violência pode matar o mentiroso, mas não
pode estabelecer a verdade. Pela violência pode matar uma pessoa odiosa, mas
não pode matar o ódio. A escuridão não pode extinguir a escuridão. Só a luz pode”.
Busco ânimo no escritor Oscar
Wilde, que tão bem definiu esses tempos que estamos vivendo: “Estamos todos na
lama, mas alguns de nós olham para as estrelas”. Sim, quero convocar os que
como eu, mesmo diante do caos e da barbárie, olham para as estrelas. Recorrendo
aos nossos contemporâneos, trata-se daqueles que, com Aldir Blanc e João Bosco,
têm aquela Esperança Equilibrista, e o Esperançar militante de Paulo Freire.
A voz de Manuel Alegre, poeta português,
junta-se a essas tantas outras vozes em seu poema “Letra para um hino”, para
trazer palavras de ânimo e resistência, nesses tempos líquidos e desumanos a
que estamos assistindo com muita dor e apreensão.
É possível
falar sem um nó na garganta
é possível
amar sem que venham proibir
é possível correr
sem que seja fugir.
Se tens
vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível
andar sem olhar para o chão
é possível
viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos
nasceram para olhar os astros
se te apetece
dizer não grita comigo: não.
É possível
viver de outro modo. É
possível
transformares em arma a tua mão.
É possível o
amor. É possível o pão.
É possível
viver de pé.
Não te deixes
murchar. Não deixes que te domem.
É possível
viver sem fingir que se vive.
É possível ser
homem.
É possível ser
livre livre livre.
Brecht, outro gigante da palavra, nos estimula à reflexão e nos convoca a ação — a lutar
para mudar o mundo:
Nada é
impossível de mudar
Desconfiai do
mais trivial, na aparência singelo.
E examinai,
sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos
expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo
de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de
humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível
de mudar.
Em outubro próximo, teremos
eleições presidenciais, e podemos decidir se não vamos mais sofrer, se não
vamos nos deixar matar, se não vamos morrer de overdose fascista.
Vamos lutar para que o amor vença
o ódio, a intolerância e o fascismo. Essa luta já está em curso, temos que
militar pelo voto no amor, no voto consciente, pela inclusão e contra o
extermínio, pela nossa democracia e por nossa liberdade, contra a barbárie.
Vamos virar votos. O momento é este.
Meu voto é em Luiz Inácio Lula da
Silva. Sem medo de ser feliz de novo.
Seu voto também é decisivo para
mudar tudo isso.
Sua escolha também será entre a
barbárie e a democracia.
Faça a sua escolha consciente.
Faça de seu voto um ato de amor!
Porque o amor é revolucionário.
(Originalmente publicado em https://www.diariodeniteroi.com.br/)
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