Lula venceu a eleição. Isso já aparenta estar pacificado, a turba desordeira tende a reduzir seu frenesi passada já uma semana, já cumpriu o papel determinado de gerar instabilidades.
Ainda há questões pendentes, o MP e o Judiciário precisarão se debruçar sobre as responsabilidades pelos atos antidemocráticos inconstitucionais, não como perseguição, mas como prevenção contra a recidivas de baderneiros e insensatos que ficam a pregar golpe de estado.
Esses não têm decência e nem nunca terão.
A questão maior é, figurativamente, o dia seguinte.
Vou admitir que os lobos solitários, viúvos dos mentores das desordens e arruaças não tenham sucesso em suas pulsões terroristas, quiçá homicidas. Passo por cima porque seria um fator tão grande de desestabilização a ponto de tornar imprevisível qualquer cenário. Que pode explodir como reação em cadeia, seja de apatia, seja de selvageria.
Vou partir, portanto, do princípio que Lula assuma o governo normalmente e materialize as composições necessárias à governabilidade. Esse é o ponto de partida.
E agora, José? Na metáfora de Delfim, é preciso abrir a quitanda com berinjelas e troco.
Não se pode desprezar que Bolsonaro, independente dos marechais que lhe manejaram nos últimos quatro anos e que iniciaram a forjar o mito há dez, sai dessa eleição com uma massa de apoiadores pessoais.
Alguma coisa em torno de 15% do eleitorado, o que é de fato muita gente. E gente ignorante e fanática, combinação ideal para qualquer regime fascistóide.
Ainda que repugne a idéia, há muitas semelhanças e coincidências com Munique no início da década de 1920.
Grupos fanatizados, líderes espertos, palavras de ordem como Deutschland über Alles (Alemanha acima de tudo) e Deutschland Erwache ( Alemanha, acorda), um veículo para divulgar e difundir os interesses do grupo, Voelkischer Beobatchter. Generais e marechais cooptados, ações truculentas e intimidatórias contra adversários.
Uma turba seguidora mesmerizada pelo discurso de ódio antissistema, seleção de inimigos coletivos para mobilizações em nome da salvação nacional. Conforme escreveu Goebbels em 11 de março de 1932, palavra Putsch ronda os ares.
Ein volk, ein reich, ein führer, bradavam.
Brasil Acima de Tudo, Acorda, Brasil, gabinete do ódio, rede de mentiras desqualificadoras de adversários. O discurso antissistema, a pregação de ódio e submissão, ou eliminação, de adversários. A trilogia salazarista Deus, Pátria e Família. Sob alguns condicionantes, na última semana presenciamos algumas dessas coisas.
Quase todos conduzidos por militares em regimes autoritários e truculentos no séc. XX.
Impossível não correlacionar.
Culto à personalidade. Generalíssimo, Duce, Führer, Homem de Aço (Стальной человек), Pai dos Pobres.
Mito. Assustador correlacionar.
A vitória eleitoral não foi avassaladora. Ao contrário, sinalizou uma divisão virtualmente igualitária dos eleitores. Menos de dois por cento de diferença num universo de mais de 118,5 milhões de eleitores. Uma maioria muito pequena, uma minoria muito grande.
Por quatro anos foram pregados a discórdia e o conflito. As instituições democráticas foram permanentemente atacadas e efetivos das forças de segurança cooptados, a campanha midiática constante e permanente, mentirosa, destrutiva e demolidora de personalidades.
Inimigos foram escolhidos, mobilizações promovidas contra as escolhas.
É evidente que esse histórico em conjunto com metade da população descontente, exatamente metade que foi o objeto da doutrinação destruidora e incentivada a se armar com clara intenção de impor sua vontade pela força, gera uma instabilidade ambiental que pode fugir ao controle, cm consequências imprevisíveis.
Lula venceu, porém Bolsonaro não perdeu.
E, como um complicador do cenário, essa divisão paritária não se refletiu nas eleições legislativas, original e majoritariamente alinhadas à candidatura derrotada para o Executivo. Um desafio a mais para o vencedor, não bastou conquistar o governo, necessita conquistar a governabilidade.
Então, no cenário interno não navegará em mar tranquilo. Será necessário atrair a parcela não fanatizada e a contaminada pelo discurso religioso fundamentalista, alguns com clara e evidente atuação mais terrena do que filosófica, mais pecuniária do que de bênçãos, mais política do que cristã. O tempo jogará a seu favor, desde que as ações sejam inclusivas e pacificadoras.
O segmento fanatizado, seja por ignorância política, seja por seu próprio viés fascistóide, esse continuará a praticar nas ruas e no parlamento suas ações de oposição, sem respeito aos fundamentos democráticos.
É a turma do vale tudo, até ditadura.
E o cenário externo?
Continua em https://blogdopensamentocritico.blogspot.com/2022/11/churras-de-gamba-azedo-parte-ii-cenario.html
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